quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

"GUERNICA", de PABLO PICASSO - I : a cidade e os fatos

O quadro “GUERNICA” foi pintado por Pablo Picasso para a Exposição Internacional de Paris de 1937. Antes de falarmos do quadro em si, para entendermos os vários níveis de entendimento dessa obra-prima, é primordial nos situarmos historicamente no contexto onde ela foi gerada, ainda que de uma forma resumida – tarefa desse primeiro post sobre o assunto. A década de 1930 foi um período complicado para a acomodação de forças das potências européias, destacadamente com a sombria ascensão do nazi-fascismo. Nesse âmbito, ocorreu a Guerra Civil Espanhola, iniciada em 1936 com a revolta de líderes do Exército contra as crescentes tendências socialistas e anticlericais do governo da Frente Popular Republicana, do presidente Manuel Azaña (que havia obtido grande vitória nas eleições). Essa guerra é considerada como um caso paradigmático da batalha ideológica entre adeptos do nazi-fascismo e do socialismo de todo o mundo. Aliás, a parte “socialista” , além de grande apoio ideológico internacional, chegou a contar por um tempo com efetiva ajuda soviética. Por sua vez, os direitistas - englobando os clássicos setores “tradicionalistas”, tais como os monarquistas, católicos e militares - foram apoiados pela Alemanha e a Itália, que reconheceram o governo instalado por Francisco Franco em 1º de outubro de 1936, ainda com a Guerra Civil recém-iniciada e em pleno andamento – esta seria oficialmente encerrada apenas em março de 1939, com a instalação do regime autoritário do “generalíssimo” Franco, que perdurou até seu falecimento, em 1975. No pós-guerra, esse regime ditatorial sufocou toda oposição e, ao invés de buscar uma reconstrução nacional que contasse com a união de vencedores e vencidos, não abdicou da perseguição e deixou um rastro de execuções dos derrotados. Pois bem, nesse obscuro jogo de poderes, aviões alemães (com participação italiana), em apoio a Franco, bombardearam a cidade espanhola de Guernica, na Província Basca, em 26 de abril de 1937. É difícil falar em número de vítimas; em pesquisas que efetuei, mesmo a população da cidade não é precisamente determinada (podemos supor 5.000 habitantes como número razoável, de qualquer forma, todas as fontes concordam ser menos de 10.000); a estimativa de mortos, por sua vez, varia de cerca de 120 pessoas (fontes tendenciosamente “direitistas”) a 1.650 ou ainda mais (fontes tendenciosamente “esquerdistas”). Independentemente da controvérsia de números, a destrição se abateu sobre a cidade e criou um imbróglio no qual nem Franco e nem nazistas queriam assumir a culpa. Na época, foi muito propagado o fato de a localidade não ter nenhuma relevância militar, o que causou estupor na comunidade internacional; mas o lado “direitista” da história argumenta que a região era de indústria de armamentos bélicos, que seriam o alvo do bombardeio, sendo que a parte civil havia sido atingida “por acidente”. O comandante-chefe alemão Herman Goering, posteriormente, nos julgamentos de Nuremberg, em 1946, mesmo não assumindo culpa por Guernica, reconheceu que a Guerra na Espanha foi utilizada como campo de teste para a aviação alemã obter experiência. Podemos dizer, portanto, que Guernica foi um caso macabro de tubo-de-ensaio. E esse não havia sido o primeiro desses ataques: embora seja pouco comentado atualmente, outra cidade basca, Durango, havia sido bombardeada, alegadamente com cerca de 300 mortos. Chega a ser lastimavelmente irônico que essa ação de destruição franquista, tornada símbolo da violência na Guerra Civil Espanhola, tenha ocorrido exatamente numa província na qual “mais de metade da sua população apoiou de armas na mão a opção franquista”, conforme apontou o acadêmico basco Mikel Azurmendi. Infelizmente, o principal legado desse “teste de laboratório” foi o desencadeamento dos bombardeios maciços, durante a II Guerra Mundial, englobando mesmo alvos civis com devastadora “eficiência” – algo que se voltou contra os próprios alemães, como demonstraria a ação anglo-americana sobre Dresden, em fevereiro de 1945. Antes mesmo da imortal obra de Picasso, o grande responsável para que os fatos de Guernica fossem conhecidos pelo mundo inteiro foi o jornalista George Steer, correspondente de guerra do diário londrino “The Times”, que chegou à cidade algumas horas após o bombardeio e telegrafou, na mesma noite, uma matéria que foi publicada no dia seguinte (ou seja, 27/04/1937) naquele jornal e no “The New York Times”, causando instantânea mobilização internacional. A matéria teve o enunciativo título de “A Tragédia de Guernica - Cidade Destruída em Ataque Aéreo Relato de uma Testemunha Ocular”. Na foto acima, reproduzimos a capa do livro "Telegrama de Guernica: a extraordinária vida de George Steer, correspondente de guerra", de autoria de Nicholas Rankin.

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