quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

"A LENDA DAS SEREIAS, RAINHAS DO MAR": inesquecível samba-enredo.

Em 1976, o carnavalesco Fernando Pinto criou para o Império Serrano o enredo “A Lenda das Sereias, Rainhas do Mar”. Daquele, ele acabou não sendo tão bem sucedido quanto em muitas outras oportunidades (inclusive, já tinha sido campeão pelo próprio Império, em 1972, com o enredo “Alô, alô, Carmem Miranda”, e ainda seria novamente no futuro, pela Mocidade, em 1985, com o enredo “Ziriguidum 2001”), resultando num desfile mediano, que deixou a escola num 7º lugar. Numa época em que só haviam quatro escolas de samba consideradas “grandes” – Portela, Mangueira, Salgueiro e o próprio Império – era uma colocação que significava um verdadeiro fracasso do (discutível) ponto de vista de “obtenção de resultados”. Em tempo: Beija-Flor, Mocidade , Imperatriz e Vila Isabel não haviam ainda ganhado nenhum campeonato; foi exatamente em 1976 que a Beija-Flor surpreendeu e conquistou sua primeira vitória, justamente no ano da estréia de Joãosinho Trinta – então bicampeão pelo Salgueiro – na escola de Nilópolis.

No entanto, esse enredo medianamente desenvolvido rendeu um belíssimo samba-enredo, que ficou no imaginário do Império e de todos os amantes desse gênero – e olha que estamos falando de uma Escola que conta, em seu cartel de composições, com sambas-enredo do quilate de “Aquarela Brasileira” (1964 e reeditado em 2004), “Cinco Bailes Tradicionais da História do Rio” (1965), “Heróis da Liberdade” (1969) e “Bumbum Paticumbum Prugurundum” (1982), entre vários outros.

Pois bem, não bastassem as virtudes originais desse samba, a então nova estrela em ascenção da MPB, Marisa Monte, gravou esse samba em seu primeiro álbum, lançado em 1989, com o nome de “A Lenda das Sereias”, em novo arranjo, com ritmo mais cadenciado e melódico, apenas excluindo a penúltima estrofe da letra – e eu me pergunto, será que a razão foi ela ser portelense e esse trecho fazer referências ao próprio Império Serrano (nas frases“Toda Corte engalanada” e “Vê o Império enamorado”)? De qualquer maneira, com a bela gravação da cantora, esse samba tornou-se conhecido de toda uma nova geração de ouvintes – e mesmo de contingentes de ouvintes das gerações anteriores, entre aqueles que não o conheciam por não serem ligados ao mundo das escolas de samba e nem saberem que ele havia existido.

Após a instituição da possibilidade de se realizar reedições de antigos sambas-enredo (antes de 2004 era proibido apresentar composições que não fossem inéditas), esse samba logo foi objeto de um novo desfile, no carnaval de 2006, pela escola de samba Inocentes de Belford Roxo, então no Grupo B, conseguindo atingir uma boa 3ª. colocação (ainda assim, insuficiente para ascender ao Grupo A, já que só a campeã subiria de grupo, que naquele ano foi a Império da Tijuca, curiosamente, também apresentando uma reedição: “Tijuca: cantos, recantos e encantos”, safra da própria escola do ano de 1986, quando havia desfilado no então Grupo 1-A, equivalente ao atual Grupo Especial, ficando em 12º lugar.)

Eis que agora, para o desfile de 2009, o próprio Império Serrano resolveu reeditar “A Lenda das Sereias, Rainhas do Mar” , apenas modificando – a pedido da atual carnavalesca responsável pelo desenvolvimento do enredo, Márcia Lávia – o título para “A Lenda das Sereias, Mistérios do Mar”. É uma tentativa de superar a grande responsabilidade que a escola terá nesse ano: abrir o desfile de domingo. Para se ter uma idéia da “maldição da abertura”, na era sambódromo, salvo engano meu, nenhuma escola que tenha subido de grupo no ano imediatamente anterior (como o caso do Império, que foi campeão do Grupo de Acesso ano passado, com enredo sobre Carmem Miranda) e que tenha sido a primeira escola a desfilar no domingo conseguiu a façanha de se manter no Grupo Especial (excetuando alguns poucos anos em que não houve descenso de nenhuma escola por acordos entre cartolas). Pelo ânimo que os amantes dos bons sambas manifestaram, em particular da comunidade imperiana, e também pelos primeiros resultados apresentados nos ensaios técnicos realizados pela escola na Marquês de Sapucaí, vê-se que o samba funciona como um grande trunfo – apesar dos temores (procedentes, diga-se de passagem) daqueles que pedem que o samba não seja acelerado demais, fugindo da sua característica melódica original, descaracterizando-o e, inclusive, deixando-o repetitivo demais (a letra é curta para os padrões atuais e, quanto mais rápido o andamento, mais vezes o samba será executado na Avenida).

Grande parte das autoridades do mundo do samba, aliás, apresenta críticas quanto à sistemática de reedição, argumentando que, por melhor que sejam os clássicos sambas-enredo do passado, reeditá-los só prejudicaria a própria continuidade do gênero, ao tirar espaço dos compositores atuais; para a ala de compositores, é sempre uma má notícia, pois significa ficar um carnaval inteiro sem compor e realizar a importante temporada de escolha do samba-enredo. Essa preocupação tem sua razão de ser, mas penso que reeditar um samba-enredo pode ter exatamente o efeito positivo ao funcionar como um exemplo que, atualizado por uma nova gravação, venha a inspirar toda uma nova geração de sambistas. E, aliás, basta dar uma olhada na safra desse ano: a despeito de uma média aceitável no nível das composições inéditas, o samba do Império Serrano, já com 32 anos nas costas, apresenta uma superioridade tão evidente que fica difícil defender o impedimento das reedições. Escolhidas com bom senso e sem exageros, elas só tem a somar para o nível dos desfiles atuais e futuros.

Resumo da ópera: aproveitando gancho do tema marinho da composição, podemos falar, com toda propriedade, que “A Lenda das Sereis, Rainhas do Mar” se trata de uma autêntica e perfeita pérola da música popular brasileira.

Em tempo: obviamente, eu não guardo de cabeça todas as colocações ano-a-ano; na medida do possível, para não cometer erros, me utilizo de fontes de consulta no assunto. Especificamente para os resultados, indico o seguinte site:

http://www.academiadosamba.com.br/memoriasamba/desfiles/index.htm

Para completar esse post da melhor forma, nada melhor do que apresentar a letra da música por ela mesma - para ouvir, basta buscar no youtube. Na foto, uma visão geral do desfile original, de 1976.


“A LENDA DAS SEREIAS, RAINHAS DO MAR”
Compositores: Vicente Mattos, Dinoel e Arlindo Velloso

O mar, misterioso mar
Que vem do horizonte
É o berço das sereias
Lendário e fascinante
Olha o canto da sereia
Ialaô, oquê, ialoá
Em noite de lua cheia
Ouço a sereia cantar
E o luar sorrindo
Então se encanta
Com a doce melodia
Os madrigais vão despertar

Ela mora no mar
Ela brinca na areia
No balanço das ondas
A paz ela semeia

Toda Corte engalanada
Transformando o mar em flor
Vê o Império enamorado
Chegar à morada do amor

Oguntê, Marabô
Caiala e Sobá
Oloxum, Inaê
Janaína e Iemanjá


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