terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

HIPÓLITO E FEDRA: uma tragédia recontada através dos séculos.


A história de Hipólito e de Fedra, um episódio clássico da mitologia grega, se celebrizou principalmente pelos relatos teatrais para o qual foi matéria-prima.

A primeira versão que chegou conservada aos tempos modernos foi o texto “Hipólito porta-coroa” (ou “porta-guirlanda”), de Eurípedes, um dos três grandes poetas trágicos do teatro clássico grego. O mesmo dramaturgo já havia feito uma versão anterior, infelizmente apenas com um trecho conservado (50 versos), que se chamava “Hipólito velado”.

Outro texto dramático baseado nessa história, chamado de "Fedra", veio também da antiguidade - dessa vez, uma criação do filósofo romano Sêneca. Este é um texto de violência mais explícita, mas, suspeita-se que tenha sido escrito para ser declamado, ao invés de encenado, o que fatalmente modifica a forma de trabalhar os versos, que tomam outras colorações.

Por fim, temos a versão bem mais recente, também chamada de “Fedra”, do grande clássico francês, Jean Racine, do século XVII - que, aliás, inova em alguns pontos, tais como a inclusão da personagem Arícia, criando uma importante triangulação na economia afetiva do texto, com um amor idealistíco - e proibido - entre ela e Hipólito.

Eu já havia lido o primeiro e o último desses textos, faltando-me ainda a oportunidade de ler a versão de Sêneca.

Pois bem: dia desses, na Livraria Cultura, por acaso, me caiu às mãos o livro "Hipólito e Fedra - três tragédias", de Joaquim Brasil Fontes, que traduz os três textos em seqüência (e acompanhados do texto no original), com comentários e notas. Um verdadeiro achado para os amantes das artes dramáticas, em particular, ou dos culturos da civilização greco-romana, em geral.

A ressaltar: ainda mais que, no vernáculo, por falta de uma cultura humanística mais pujante e perscrutadora, análises de textos originais gregos ou latinos são (infelizmente) raras – quando muito, cobre-se lacunas com tampões e temos alguma oferta de textos “terceirizados”, traduzidos do inglês ou francês, principalmente, ao invés de irmos beber à fonte. E mesmo recorrendo a "traduções de traduções", há textos e comentários importantíssimos só disponíveis mesmo em inglês ou francês, ou ainda em italiano ou mesmo espanhol.

Comecei a ler a obra no mesmo dia que comprei. É um prazer reler o “Hipólito”, de Eurípedes, e a “Fedra”, de Racine, assim como ter o primeiro acesso integral à “Fedra”, de Sêneca. E, mais ainda: com os textos lado-a-lado, usufruindo do conhecimento das suas semelhança e das suas diferenças, diferenças essas que fazem o colorido particular de cada ponto-de-vista proferido pelo autor e por sua época.

Esse post é apenas para registrar que estou nesse processo de degustar essa obra. Mas, em antecipação, um breve resumo da história, para aqueles que não conhecem o enredo, terem idéia do fio narrativo da história:

Hipólito é filho de Teseue enteado de Fedra. Esses personagens se enquadram em complexos mitologemas, que não podemos destrinchar no momento, para não complicar nossa abordagem assumidamente resumida – basta dizer que Teseu, filho do deus Posseidon (ascendência que, aliás, será funestamente utilizada no trágico final da história), é um dos mais profícuos heróis da mitologia grega, somente comparável a Heracles, e que Fedra era filha do rei Minos, de Creta, e havia se unido a Teseu após o mesmo ter abandonado sua irmã Ariadne (que o ajudara a eliminar o Minotauro) em Naxos, no caminho de Creta para a Grécia.
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"Hipólito rejeitando Fedra" , pintura de Pierre-Narcise Guérin.


O drama se desenrola no seguinte contexto: Hipólito é um honrado caçador, devotado à castidade - e com a (im)possibilidade de um amor casto e proibido, no caso do texto de Racine - mas que, inopinadamente e estando Teseu ausente, se torna o "obscuro objeto do desejo" de Fedra, que se arde de paixão pelo enteado. Hipólito não se deixa seduzir, mas Fedra, em desespero, toma uma atitude radical, mesclada com uma funesta forma de vingança; nesse ponto, Teseu retorna.

No clímax da ação, todos eles encontram um fim trágico, seja pela traição dos próprios sentimentos, seja como vítimas dos sentimentos do outro ou ainda pela ingrata tentativa de restabelecer a honra.

O texto é um grande exercício da “amplificação” junguiana, ou seja, da utilização de mitos como linguagem para se dialogar com as profundezas do inconsciente. Na versão de Eurípedes isso fica mias evidente ainda, pois as deusas Ártemis e Afrodite são personagens que atuam e fazem um contraponto de pólos opostos, dentro do qual Hipólito infringe a regra do métron (a "justa medida"), tão cara à cultura grega, e se devota unilateralmente à castidade de Ártemis, desprezando com orgulho desmedido as graças de Afrodite, provocando o fatal ressentimento desta última.

A propósito, nunca vi a encenação de nenhum dos três textos, mas gostaria de ressaltar duas das montagens do texto de Racine:

- uma nos anos 80, celebrizada pela presença de Fernanda Montenegro, dirigida por Augusto Boal, em texto traduzido por Millor Fernandes (que foi a primeira tradução dessa “Fedra” que eu li);

- outra, em 1997, dirigida por Antonio Abujamra, apenas com atrizes (inclusive nos papéis masculinos), tendo Ana Paula Arósio como Hipólito e Mika Lins como Arícia.

Oportunamente, volto ao assunto com mais profundidade.


2 comentários:

Anônimo disse...

Estou lendo Fogos de Marguerite Yourcenar, em que ela reconstrói o mito de Fedra, na verdade, estou relendo, agora, com mais propriedade por saber um pouco mais sobre este mito tão desesperado, como chama Yourcenar, em seu capítulo Fedra ou o desespero.
Obrigada pela aula, espero, um dia ter a oportunidade de ler a tragédia.
Marisa Leão

ERIC disse...

Marisa, tudo bem? Não conheço o texto da Yourcenar, fica a dica para eu conhecê-lo! Espero que vc tenha a oportunidade de ler as peças, se tem atração pelo tema, certamente vai gostar muito. Abração! Eric.